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8 de Março ou Dia Internacional da Mulher

Vou começar este post com uma frase que trouxe certa polêmica quando rolou no Enem, em 2015: "não se nasce mulher, torna-se mulher". (Será que foi ali que nascia o delírio de alguns grupos sobre "ideologia de gênero"? Serásse?) 
Esses dizeres foram de tia Simoninha, que marcaram a entrada do segundo volume de "O Segundo Sexo" - livro que acabou se tornando um marco feminista. Aparentemente, o que gerou todo o reboliço sobre a frase, ainda que ela corra por aí desde que foi publicada, em 1949, foi a interpretação, digamos, superficial sobre o conceito de gênero e sexualidade. Vou tentar não ser muito chata, nem recorrer tanto ao academicismo para tratarmos dessa ideia. 

Primeiro, deixe-me questionar você, pessoa que está lendo este texto neste momento: o que é mulher? 
A resposta mais provável está relacionada a órgão genital, a famigerada gina. Então, vamos problematizar um pouco isso aí. Porque eu estou aqui para isso, meus amigos, para questionar saberes e trazer mais adeptos à metamorfose ambulante que é a vida!

Vamos dar uma olhadinha nessa paleta pink na foto aqui de baixo. Olhemos a composição dos brinquedos, o estilo dos calçados, a pequena boneca no centro da imagem. Bom, agora complete: esses são brinquedos de... 


Não, alecrim! Não venha bancar o ser magnânimo e desconstruído porque nós sabemos o que está na sua cabeça no instante que viu essa imagem. Mas não se reprima, também esteve na minha. E está no Google, basta fazer uma busca por "brinquedos de menina". E não é um pensamento que nasceu conosco, não é um conhecimento inato do ser humano. Não. Ele vem de algum lugar. Na verdade, um lugar de onde vem outros tantos saberes que acabam por nortear as nossas vidas, nossas escolhas, nossos pensamentos, um lugar chamado "sociedade".

Fomos ensinadas que brinquedo rosa = coisa de menina.

"Ora, Laís, mas sempre foi assim". Foi mesmo? Vamos de curiosidades! Em 1918, a revista de moda infantil americana Earnshaw, voltada para profissionais da área, publicou o seguinte sobre as nossas cores preferidas:

"A regra geralmente aceita é que rosa é para os meninos, e azul para as meninas. O motivo é que o rosa, sendo uma cor mais decidida e forte, é mais apropriado para meninos. Enquanto o azul, que é mais delicado e gracioso, é mais bonito para a menina." 

É interessante pensar sob outra perspectiva, não é mesmo? Isso quer dizer que nós não temos esses conceitos previamente instalados em nosso cérebro quando nascemos, eles vão sendo inseridos e moldados à medida que convivemos em sociedade. É o que normalmente chamamos de "estrutural" nos discursos "militudos", ou seja, que nossa opinião sobre tudo está profundamente enraizada na estrutura social, isso inclui nossos conceitos sobre rosa e ao que remetemos à cor quando questionados sobre isso. 
Na sociolinguística, entende-se que um termo é relacionado diretamente a um dado conhecimento que obtemos sobre aquele assunto se tivermos algum contato com ele em algum momento de nossa vida. Alguns desses movimentos de associação dos termos são mais coletivos que outros. Se eu digo queijo, por exemplo, alguns podem imediatamente pensar "humm, que delícia", enquanto que outros podem pensar em, sei lá, chulé. Dependerá da experiência individual com o queijo que cada indivíduo terá. Há, contudo, outros termos que trazem uma associação mais generalizada, como "cor de rosa", por exemplo, que é diretamente associada à menina dentro do contexto infantil.

Bom, falei isso tudo para novamente voltar ao termo "mulher", lá de cima. Quando titia Simone disse que nos "tornamos mulher" significa que houve uma construção social sobre o que é ser mulher: o que falar, o que vestir, como se portar, como pensar etc. O problema é que a nossa sociedade é androcêntrica (assume o masculino como modelo de representação coletiva) e, na mesma medida, machista. E não, o machismo não é o contrário de feminismo. Quando dizemos "machismo" estamos falando de uma estrutura de poder, de um sistema de opressão. O feminismo é um movimento de resistência a esse sistema. Mas é papo para outro momento, voltemos ao conceito de mulher.

O problema sobre a definição de "mulher" em nossa sociedade é que ela foi construída, justamente, sobre uma estrutura androcêntrica e machista, isto é, o modelo feminino, na verdade, é uma versão "idealizada" do imaginário masculino sobre a mulher, lembra? BELA, RECATADA E DO LAR.

"Ah, Laís, mas isso não resolve a questão da gina. Mulher é a que tem gina. Pronto, resolvido!". Bom, não tão resolvido assim, querido alecrim. Na verdade, essa ideia é questionável. Eu disse que estava aqui para questionar sua velha opinião formada sobre tudo, então questionarei.

Antigamente, havia uma distinção até pregada pelas feministas entre sexo (biológico) e gênero, que é o que muito se acredita até hoje: há um sexo inato, com o qual se nasce, que está ligado à anatomia/biologia (os X e os Y da vida, as ginas e os varões), e há o gênero, que se relacionaria à construção social. Acontece que dona Judith (Butler), filósofa pós-estruturalista estadunidense, vai dizer que ambas as ideias são construções sociais, tanto aquilo que entendemos como sexo, quanto aquilo que dizemos gênero, não sendo, portanto, possível conceber sexo como algo natural.

"Se o caráter imutável do sexo é contestável, talvez o próprio construto chamado 'sexo' seja tão culturalmente construído quanto o gênero; a rigor, talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma. Se o sexo é, ele próprio, uma categoria tomada em seu gênero, não faz sentido definir o gênero como a interpretação cultural do sexo" (BUTLER, Judith. Em "Problemas de Gênero", 2010, p. 2)

Segundo a dona Judith, o corpo não tem nada de "natural", como estamos acostumadas a pensar, ele também é construído ao passo que a criança é educada pelos instrumentos sociais de poder que a levam a se transformar em uma mulher de acordo com os códigos vigentes, como já disse tia Simoninha lá atrás. Em termos de política, podemos dizer que ver o corpo em relação com o gênero se manifesta em forma de inclusão, já que não exclui as "contradições e as divergências" (pois, além dos gêneros inteligíveis, que têm relação de coerência e continuidade entre sexo, gênero e sexualidade, há também aqueles que não seguem essa suposta "norma", como é o caso dos transgêneros e intergêneros). Dessa forma, conclui-se que “o gênero é uma complexidade cuja totalidade é permanentemente protelada, jamais plenamente exibida em qualquer conjuntura considerada” (BUTLER, Jutith. Em "Problemas de gênero", 2010, p. 37).

Bom, em termos leigos, podemos dizer o seguinte: algumas gurias gostam de rosa. E está tudo bem. Outras gostam de azul. E está tudo bem também. Algumas mulheres serão belas, recatadas e do lar e vão adorar ser assim. E está tudo bem. Outras, contudo, vão criar um blog feminista e discutir filmes de zumbi. E está tudo bem também.

No fim, ser mulher é ser o que te faz confortável, é ser o que quiser.
Então, feliz dia das mulheres a todas, de rosa ou azul, do lar ou da rua, com ginas e sem ginas!

I am a PhD candidate in Linguistics at the Federal University of Juiz de Fora (UFJF), with a Master’s degree in Language and Literature from the Professional Master’s Program, a postgraduate specialization in Literary Theory and a Bachelor’s degree in Language and Literature with an emphasis in English. Currently, I am a Portuguese Language teacher at the Minas Gerais State Department of Education, but I have experience as a scorer and evaluator of essays, open-ended items and written-response questions in large-scale educational assessments, as well as experience as a text editor. I also venture in the field of art, design and illustration (particularly with CorelDraw, Adobe Illustrator and Photoshop). In addition, I am an active member of a feminist political group dedicated to advocating for women's rights and gender equality.

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