No dia 28 de julho de 2022, nosso Coletivo teve a extrema felicidade de se encontrar com a candidata a deputada estadual Moara Saboia e esse encontro foi recheado de cultura, vivências e política!
Tivemos a participação mais que acertada de mulheres incríveis que fazem toda a diferença, como Cristina, da Secretaria de Mulheres do PT Cataguases e a vice-presidente do Partido, Cláudia, a presidenta do PCdoB, Angelina, presidenta da Associação Mulheres Unidas Contra a Violência, Zélia, representante das APNs, Aparecida e Inês, presidenta e vice-presidenta da Associação de Mulheres Rurais, Rita Bento, do Movimento Cultural Ganga Zumba, além do nosso vereador Rogério, do PCdoB.
Gostaríamos de agradecer profundamente a todos que estiveram presentes e contribuíram, de alguma forma, com sua força, com suas palavras, com suas experiências e companheirismo, ingredientes que tornam possível a nossa jornada.
Por fim, também precisamos enaltecer os Agentes de Pastoral Negros e o Grupo de Dança Afro Justino e São Vicente, que nos proporcionaram uma apresentação fantástica nessa noite de quinta!
OBS: Ah, sim! Anexamos a transcrição do discurso de Laís, do Coletivo Lélias, para despertarmos algumas reflexões, e, claro também deixamos as fotos do evento depois do texto! o/
Quando me chamaram para falar aqui na frente de todos vocês hoje, fiquei me perguntando a melhor forma de começar a tratar desse tema, Machismo. O tema não é novidade, principalmente porque precisamos trazê-lo à tona com mais frequência do que gostaríamos, e acaba até se tornando um pouco repetitivo. Eu sou professora e, apesar de estar parcialmente acostumada, repetir a mesma coisa é estressante, é chato, é chato para quem ouve e certamente mais chato para quem precisa falar novamente. Os pais e mães de plantão aqui sabem bem do que estou falando. Então, achei que seria bacana começar propondo um exercício de imaginação. Tipo professora couch. Um braimstorming, na linguagem couch.
Pois bem. Imaginem a seguinte situação:
Pai e filho sofrem um acidente terrível a caminho da cidade. Alguém chama logo a ambulância, porém o pai acaba não resistindo aos ferimentos e falece no local. O filho, contudo, é socorrido às pressas e é levado ao hospital da cidade. Quando o garoto chega no pronto socorro, a pessoa mais competente do centro cirúrgico grita assim que o vê: “Não posso operar esse menino! Ele é meu filho!”.
Esse é um enigma que ficou famoso há alguns anos, lá em 2017, e ele chegou até mim, não sei explicar exatamente como tive contato com ele, mas eu sei que existe um vídeo perguntando para várias pessoas como elas explicariam esse texto.
É interessante a proposta, porque eu lembro que fiquei pensando bastante sobre o enigma e a minha conclusão foi a mesma que de outras pessoas do vídeo, que seria um casal homoafetivo. Mas houve de tudo um pouco, houve quem dissesse que o médico era avô que criou a criança, que talvez fosse um médico equivocado que havia perdido um filho, houve até quem propôs uma explicação espiritual, enfim. Muita gente também não viu lógica na história, porque se o pai morreu, quem poderia ser a pessoa que gritou no centro cirúrgico que não operaria o menino porque ele era seu filho?
A explicação, na verdade, é extremamente simples, apesar de não ter sido cogitada. Não foi cogitada sequer por mim mesma. Tratava-se da mãe da criança. Parece óbvio depois que a gente sabe, porém é possível fazer uma leitura mais profunda desse exercício: por que as pessoas não se lembram da mãe naquele momento? Será porque a descrição “a pessoa mais competente do centro cirúrgico” nos leva automaticamente a pensar em um médico e não uma médica?
Mesmo tendo consciência de que existem milhares de médicas extremamente competentes, o imaginário coletivo propõe uma imagem que nos é constantemente reafirmada: de um médico homem cis branco. E eu digo isso porque se fizermos um recorte mais profundo considerando não apenas o gênero, mas a raça, perceberemos que a problemática é extremamente mais extensa do que podemos imaginar inicialmente. Quer ver? Quando eu disse que se tratava de uma mulher, da mãe da criança, quantos de vocês pensaram, sinceramente, em uma médica negra?
E isso reflete em nossa sociedade. Há espaços, muitos espaços, dominados por um gênero específico, por uma classe específica e por uma cor específica, que pode ser traduzido em números. Por exemplo, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018, apenas 10,4% das mulheres negras com idade entre 25 a 44 anos concluem o ensino superior.
Quando percebemos uma desproporcionalidade tão grande quanto essa, considerando ainda que mulheres e negros ocupam, respectivamente, 52% e 54% da população brasileira, sendo, portanto, a maioria, precisamos compreender que não se trata de um fenômeno natural a exclusão de mulheres e negros, precisamos entender que existe um sistema cujos mecanismos trabalham de forma a manter os privilégios de um determinado grupo da sociedade, grupo esse que, como falei, possui uma cor, um gênero e uma classe muito específica e que ocupa a grande maioria de espaços sociais considerados de prestígio. Como o curso de medicina, por exemplo. Ou a política.
E aqui chegamos ao ponto, ao xis da questão. A esse sistema que trabalha para manter o privilégio de homens cis héteros, brancos e ricos nós damos um nome. Chamamos de capitalismo. Silvia Federici, uma importante pesquisadora italiana, ficaria muito orgulhosa de mim nesse momento, porque vou reproduzir sua ideia, com a qual concordo absolutamente. O sistema capitalista trabalha de forma manter esse grupo muito específico no poder e cria outros sistemas para que alguns grupos sejam reprimidos, ou seja, todos que não se enquadram nas categorias homem, branco, hétero, cis, rico. Então, enfrentamos, cada um, um tipo de opressão diferente. Uma mulher branca, hétero e trabalhadora, como eu mesma, vai ser oprimida pelo machismo e pela sua classe. Se essa fosse mulher negra, contudo, vai acumular, além dessas opressões, também o racismo. Uma mulher negra e lésbica vai adicionar também a homofobia à sua lista de opressões.
Notem que quando falamos sobre o machismo estou falando de um sistema cujo intuito é oprimir o gênero feminino. Assim como o racismo faz com os negros e indígenas, a homofobia faz com as pessoas homossexuais, a xenofobia faz com pessoas de uma determinada naturalidade enfim, são sistemas de opressão. E eu fico realmente assustada, talvez assustada não seja a palavra, mas certamente confusa, quando alguém vem falar comigo que feminismo se contrapõe ao machismo. Ou quando alguém fala sobre racismo reverso. Ou de uma suposta ditadura gayzista. Porque isso é inverter completamente o sentido das ideias. Ninguém deixa de ser empregado porque é homem, não há questionamento sobre gravidez, se tem filhos, ou como ele vai conseguir conciliar a vida profissional com as crianças. Nenhum médico branco jamais teve que dizer que é formado em medicina quando vai atender alguém, basta o jaleco, muitas vezes. Nenhum homem hétero jamais foi assassinado porque é hétero. Homens, certamente, sofrerão com muitas coisas, não digo que o mundo é perfeito para os homens, mas eu afirmo que é muito mais difícil para quem não faz parte do grupo de privilégios.
Bom, então, enquanto mulher, gostaria de tratar sobre o machismo. O tema proposto e terrivelmente repetitivo que mencionei lá no início. Muitos dirão que sabem exatamente o que é machismo e citarão dados de violência doméstica, que é uma forma grave do machismo de fato. Ou comentarão sobre o feminicídio, que também é outra manifestação absolutamente severa do machismo em nossa sociedade, que é uma das que mais matam mulheres em todo mundo. Porém o machismo aparece sob muitas formas, às vezes até de maneira sutil. Prova disso está no fato de não pensarmos na mãe no exercício que propus, por exemplo.
E é nesse momento que costumam aparecer as desculpas. Tenta-se camuflar o machismo de todas as formas. Claro, porque é mais fácil fingir que não existe a reconhecer que de fato há um problema. No caso do exercício, por exemplo, poderão dizer que, por eu ter citado o pai o início do texto, acabei dificultando que se pensasse na mãe depois. Ainda que eu tenha dito claramente que o pai tenha falecido. Mas ok, considerando essa hipótese, por que, então, todas as possibilidades surgem, incluindo personagens imaginários, como o avô ou o filho falecido de um outro médico, mas a mãe, que tem até data comemorativa, não foi considerada?
A verdade é dura! A sociedade, a gente, como um todo, tende a esconder aquilo que considera feio. Como uma almofada velha encardida e confortável que usamos todo dia e enfiamos no fundo do armário quando a visita chega. Acontece que esconder o machismo não vai fazer com que ele deixe de existir. Assim como a almofada encardida, ele ainda estará lá, no fundo do nosso armário. Mas por que fazemos isso? Seria o machismo confortável como a almofada?
Eu não diria confortável, porque, obviamente, sabemos que ele mata, destrói vidas. Mas ele acaba se posicionando em uma espécie de zona de conforto. Deixa eu me explicar, às vezes nós apenas seguimos aquilo que nos ensinam, sem questionar, porque “sempre foi assim” e queremos evitar transtornos. E aqui entramos no que vamos chamar de machismo estrutural. Se o machismo é um sistema que está intimamente ligado ao nosso estilo de vida, podemos dizer que nós crescemos aprendendo como nos comportar dentro desse sistema. Quer uma prova? A roupa que devemos vestir, meninos de azul e meninas de rosa, os tipos de brinquedos que meninos e meninas devem usar, qual o comportamento que moças e rapazes devem apresentar para serem, efetivamente, moças e rapazes. Sim, meus amigos, o machismo também interfere na vida dos homens. Todos nós devemos nos encaixar em padrões muito específicos que impõem a cada um dos gêneros o que devemos fazer ou não para sermos considerados mulheres e homens “de verdade”.
A cobrança sobre as mulheres é muito maior, é claro. Afinal, o machismo é uma forma de opressão de gênero muito direcionada às mulheres. Vejam, eu terminei meu mestrado há pouco mais de um ano e o tema perpassava pela forma como os alunos imaginavam e retratavam o gênero feminino na ficção. Vou poupar vocês dos detalhes, porque haja paciência de me ouvir falar por tanto tempo, mas o resultado que observei foi que havia uma preocupação imensa sobre como as personagens femininas deveriam se sentar e andar, usavam termos como “senta-se como uma moça”, “andava muito delicada igual a uma menina”, “ela sentava de qualquer jeito, apesar de ser uma mulher”. Percebemos como esse padrão é intimamente absorvido por todos nós quando o vemos claramente expressos por meninos e meninas de 13 anos em seus textos. Essa série de “padrões” nos é transmitida de diversas formas: pela família, pelos filmes, pelas propagandas, pelos livros, pelos jogos, enfim, trata-se de uma estrutura na qual nos acostumamos viver e muitas vezes sem questionar. Como acontece com muitas mulheres que omitem, escondem e até defendem comportamentos e pensamentos machistas.
Vou ser um tanto polêmica agora, pois chegamos a um ponto interessante: muitas mulheres são acusadas de serem machistas justamente por compactuar com o machismo de muitas formas. Eu mesma já refleti muito sobre isso, discuti até com outras amigas feministas. Não me compreendam mal, como eu disse, existem muitas mulheres que reproduzem o machismo. Mas elas mesmas não podem ser machistas porque não têm ganho nesse sistema. Ela pode até defendê-lo, o que é triste, já que é tão oprimida nele quanto o resto de nós. Mas, é aquela coisa, ela prefere esconder a almofada suja das visitas, e jamais se verá livre dela.
Por fim, na política, que é um cenário que muito nos interessa, é também um cenário... podemos chamar de apocalíptico para as mulheres. Peguei alguns dados emprestados no Elas por Elas, no site do PT, que diz o seguinte: “O Brasil é um dos piores países do mundo em representatividade de mulheres na política, com uma porcentagem ínfima de 10,7% dessas representantes no parlamento”. Como sabemos, com um sistema machista como esse em que vivemos, seria extremamente improvável que ele não se apresentasse de forma tão enfática na política, já que se trata de um espaço de poder. E, pior, se, novamente, fizermos um recorte mais específico, quantas desses pouco mais de 10% são mulheres negras e indígenas?
E talvez digam que mulheres não se interessam tanto por política. Lembram das desculpas? Elas sempre aparecem. Mas esqueceram de dizer que só conquistamos o direito ao voto em 1932 e que em 1933 o Brasil já elegia sua primeira parlamentar feminina.
Então, sim, nós estamos falando de representatividade porque será pela representatividade que muitas demandas específicas de determinados grupos poderão vir à tona e serem seriamente discutidas por quem tem, de fato, compreensão desses assuntos. E isso só será possível ocupando esses lugares de poder. Acredito que a força feminina já se provou extremamente estratégica nos últimos movimentos de rua, como ELENÃO, e nas intenções de votos das mulheres nas pesquisas. Não se enganem, lugar de mulher é na política sim! E a revolução será feminina! Será com luta! Com muita luta para enfrentar todo um sistema de opressão, como fizeram muitas mulheres antes de nós e muitas outras ainda farão! E fogo nos machistas!
Muito obrigada.
Sempre é incrível estar com vocês!!! Transformação política se faz com Lélias!!!
ResponderExcluirPrecisamos de mais eventos de formaçao! Voces vao fazer mais seminarios? Meus parabens a todas as Lélias!
ResponderExcluir